segunda-feira, 14 de julho de 2008

Rosa Helena Moita




Nome: Rosa Helena Moita
Naturalidade: Beringel
Data de nascimento: sem informação
Obras publicadas
Entre Margaças e Urtigas (1992) edição Câmara Municipal de Beja,
Poesia (1997), edição da Câmara Municipal de Beja
Poesia
Apresenta uma poesia popular com uma parte lírica e outra satírica

Recordações de um burro

Aquele burro velhote
Recordava a pouca sorte
Que teve na mocidade,
Foi sempre um burro de carga
Numas vida tão amarga
Que não lhe deixou saudade.

Sempre de albarda em cima
Sem amizade nem estima
Bum viver amargurado
Nunca teve o prazer
Nunca chegou a saber
O que era uma dia feriado.

Trabalhava sem parar
E nem podia zurrar,
Que lhe era proibido
Nem lá na sua cabana
Podia zurrar com gana
Com medo de ser ouvido.

Detestava o cabrestão
Que lhe tirava a visão
Para a esquerda e prá direita
Só podia ver em frente
E pra ele realmente
Era uma coisa mal feita.

Ao ver tanta maldade,
Ás vezes tinha vontade
De dar um coice ao patrão,
Mas, ao levantar a pata,
Levava com a arreata
E tinha de a pôr no chão.

O que mais lhe custava
Que mais o arreliava
E achava que era demais
Era ter de a qualquer hora
Andar tirando água à nora
Para os outros animais.

E ele o pobre burro,
Com medo de armar esturro
E ter um mau resultado,
Com prazer ou sem prazer
Lá ia tentando ser
Um burro bem comportado.

E quando era preciso
Também abanava o guiso
Disfarçava arrelias
E carregava a golpelha
Sacudia a orelha
Á espera de melhores dias.

E quando chegou o dia
Em que ele já podia
Zurrar à sua vontade
Aquele pobre coitado
Viu que já tinha passado
A sua melhor idade.

E assim o burro velhote
Que já está perto da morte
Ainda vai recordando
Uma vida pobre e tosca
Enquanto sacode a mosca
Que no lombo o vai picando.



O que sou eu?
Sou uma fonte que secou,
Ladeira que não crepita
Sou a luz que se apagou
A carta que não foi escrita.

Sou nuvem que passou,
A chuva que não choveu
Sou o sol que não raiou
A lua que se escondeu.

Sou a folha que caiu,
A neve que derregou.
A flor que não abriu
O vento que não soprou.

Sou a tela inacabada,
O sino que não tocou.
Sou a seara ceifada,
O fruto que não gerou.

Sou a ave que não voa,
O fumo que evaporou
A canção que não entoa,
O sal que já derregou.

Sou a árvore que morreu
Andorinha que partiu.
O livro que ninguém leu,
O castelo que ruiu.

Sou onda que se desfez
A estrela que se apagou
Sou tudo o que não se fez
Sou o tempo que passou.

E neste ser e não ser
Não sei o que aconteceu
Eu já nem chego a saber
Afinal o que sou eu.



Rosa Helena Moita