nos troncos rudes despidos...
Redobram roucos zumbidos
Nunca vi um alentejano a cantar sozinho com egoismo de fonte.
Quando sente voos na garganta,
desce ao caminho
da solidão do seu monte,
e canta
em coro com a familia do vizinho.
Não me parece pois necessária outra razão
-ou desejo
de arracar o sol do chão-
para explicar
a reforma agrária
do Alentejo.
É apenas uma certa maneira de cantar.
Circunstâncias, IV
José Gomes Ferreira
Poeta do Porto
in Alentejo não tem sombra antologia contemporânea sobre o Alentejo organizada por Eugénio de Andrade
O que sou eu?
Sou uma fonte que secou,
Ladeira que não crepita
Sou a luz que se apagou
A carta que não foi escrita.
Sou nuvem que passou,
A chuva que não choveu
Sou o sol que não raiou
A lua que se escondeu.
Sou a folha que caiu,
A neve que derregou.
A flor que não abriu
O vento que não soprou.
Sou a tela inacabada,
O sino que não tocou.
Sou a seara ceifada,
O fruto que não gerou.
Sou a ave que não voa,
O fumo que evaporou
A canção que não entoa,
O sal que já derregou.
Sou a árvore que morreu
Andorinha que partiu.
O livro que ninguém leu,
O castelo que ruiu.
Sou onda que se desfez
A estrela que se apagou
Sou tudo o que não se fez
Sou o tempo que passou.
E neste ser e não ser
Não sei o que aconteceu
Eu já nem chego a saber
Afinal o que sou eu.